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26 de Abril de 2024

A majorante do emprego de arma no crime de roubo e a novatio legis in mellius da Lei 13.654/2018.

há 6 anos

Seguindo a tendência histórica de profusão da legislação penal em véspera de eleições como resposta da classe política aos graves problemas econômicos e sociais que afligem a população brasileira, foi sancionada no último dia 23 de abril de 2018 a Lei 13.654, que altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 dezembro de 1940 (Código Penal), para dispor sobre os crimes de furto qualificado e de roubo quando envolvam explosivos e do crime de roubo praticado com emprego de arma de fogo ou do qual resulte lesão corporal grave; e altera a Lei nº 7.102, de 20 de junho de 1983, para obrigar instituições que disponibilizem caixas eletrônicos a instalar equipamentos que inutilizem cédulas de moeda corrente.

A mudança do Código Penal, com o claro objetivo de coibir a onda criminosa de ataques a caixas eletrônicos mediante o uso de explosivos, que vem assolando o País nos últimos anos e aterrorizando sobremaneira aquelas comunidades domiciliadas em localidades mais distantes dos centros urbanos, fez inserir normas incriminadoras específicas nos seus artigos 155 (§ 4º-A - A pena é de reclusão de 4 (quatro) a100 (dez) anos e multa, se houver emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum; e § 7º - A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego.” (NR)), e 157 (§ 2º, VI - se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego; § 2º-A - A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços):I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo; II – se há destruição ou rompimento de obstáculo mediante o emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum), para os casos em que haja o emprego de substâncias explosivas ou artefatos análogos, ou mesmo o emprego de arma de fogo, no caso do roubo, recrudescendo as penas em tais circunstâncias ou, ainda, se da violência resultar lesão corporal grave ou morte (art. 157, § 3º, I - lesão corporal grave, a pena é de reclusão de 7 (sete) a 18 (dezoito) anos, e multa; e II - morte, a pena é de reclusão de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, e multa., do CP).

Por outro lado, a Lei 13.654/2018, ao dispor em seu art. 4.º sobre a revogação do inciso I do § 2º do art. 157, do CP, o qual dispunha sobre a majorante da pena, de 1/3 (um terço) até ½ (metade), se a violência ou ameaça fosse exercida com emprego de “arma”, para, em processo de continuidade típica normativa, inserir o § 2º-A, aumentando-se a pena do crime de roubo em 2/3 (dois terços), se a violência ou ameaça for exercida com o emprego de “arma de fogo”, conforme disposto no seu inciso I, entrando a novel legislação penal em vigor na data de sua publicação no DOU, o que se deu em 24 de abril de 2018.

A majorante do emprego de arma no crime de roubo sempre suscitou divergência, tanto na doutrina quanto na jurisprudência pátria, tendo a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em sessão de julgamento realizada em 23/10/1996, editado a súmula 174 – no crime de roubo, a intimidação feita com arma de brinquedo autoriza o aumento da pena -, para, em 24/10/2002, no julgamento do REsp 213.054-SP, proceder ao seu cancelamento, sob o fundamento de que a referida súmula violava vários princípios basilares do Direito Penal, tais como o da legalidade (art. , inciso XXXIX, da Constituição Federal e art. , do Código Penal), do ne bis in idem, e da proporcionalidade da pena.

Ademais, a Súmula 174 perdeu o sentido com o advento da Lei 9.437, de 20.02.1997, que, em seu art. 10, § 1º, inciso II, criminalizou a utilização de arma de brinquedo para o fim de cometer crimes.

Remanesce, no entanto, naquele mesmo Sodalício, tormentosa polêmica acerca da incidência ou não da referida majorante do § 2º, inciso I, do art. 157, do CP, e agora transmutada para o § 2º-A, inciso I, do mesmo artigo, nos casos em que a “arma” não tenha sido apreendida e periciada, para fins de aferição de sua capacidade vulnerante, a partir do julgamento do REsp n.º 961.863/RS, de relatoria do Min. GILSON DIPP, segundo a qual, a ausência de perícia na arma, quando impossibilitada sua realização, não afasta a causa especial de aumento prevista no inciso I, do § 2.º, do art. 157, do Código Penal, desde que existentes outros meios aptos a comprovar o seu efetivo emprego na ação delituosa.

Nesse sentido, a Terceira Seção do STJ acolheu a proposta de afetação do REsp 1.708.301-MG ao rito dos recursos repetitivos, conjuntamente com o REsp 1.711.986-MG, de sorte a definir tese sobre a seguinte controvérsia: se é ou não necessária a apreensão e perícia da arma de fogo para a incidência da majorante do art. 157, § 2º, I, do Código Penal, conforme veiculado no Informativo do STJ nº 0622, de 20/04/2018.

A despeito da controvérsia jurisprudencial acima anotada acerca da inidoneidade lesiva da arma, certo é que a equiparação de simulacros de arma de fogo a arma, ou ainda, a adoção de analogia para equiparar quaisquer outros objetos utilizados na empreitada criminosa do roubo, à arma, para fins de reconhecimento da incidência de causa de aumento de pena prevista no inciso Ido § 2º do art. 157 do Código Penal ora revogado, chocava-se frontalmente com as disposições determinadas pelo ESTATUTO DE ROMA, do Tribunal Penal Internacional, introduzido no ordenamento jurídico pátrio por meio do Decreto 4.388, de 25 de setembro de 2002, a cuja jurisdição passou a se submeter a partir da promulgação da Emenda Constitucional n.º 45/2004, que introduziu o § 4º ao art. , da Constituição da República/1988.

Consoante o disposto no Artigo 22, item 2, do Estatuto de Roma, dentre os princípios gerais de direito penal adotados insere-se o do nullum crimen sine lege, segundo o qual, não há crime sem lei anterior que o defina de forma precisa, não se admitindo o recurso à analogia que possa ser aplicada em desfavor do acusado, (Capítulo III - Princípios Gerais de Direito Penal -Artigo 22 - Nullum crimen sine leque - 1. Nenhuma pessoa será considerada criminalmente responsável, nos termos do presente Estatuto, a menos que a sua conduta constitua, no momento em que tiver lugar, um crime da competência do Tribunal. - 2. A previsão de um crime será estabelecida de forma precisa e não será permitido o recurso à analogia. Em caso de ambigüidade, será interpretada a favor da pessoa objeto de inquérito, acusada ou condenada. - 3. O disposto no presente artigo em nada afetará a tipificação de uma conduta como crime nos termos do direito internacional, independentemente do presente Estatuto).

A legislação penal brasileira somente define o que seja “arma de fogo”, nos termos do Decreto 5.123, de 1º de julho de 2004, que regulamentou a Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento). Quanto ao mais, a lei silencia. E não havendo definição legal do que seja “arma” em sentido genérico, não se pode aplicar a analogia in malam partem.

Destarte, já não se admitia que quaisquer objetos (faca, caco de vidro, pedaço de pau, simulacro de arma de fogo etc.), diferentes de arma de fogo pudessem ser considerados “arma” para o fim de se aplicar a majorante do inciso I do § 2º do art. 157 do Código Penal, tornando-se incongruente o posicionamento adotado pelos tribunais pátrios, de se reconhecer a incidência de tal majorante naquelas circunstâncias, em face da norma supralegal insculpida no tratado internacional sobre direitos humanos acolhido internamente, a cuja submissão o legislador impôs constitucionalmente.

Todavia, com o advento da nova Lei 13.654, de 23 de abril de 2018, em interpretação autêntica da norma penal introduzida no ordenamento penal por meio do § 2º-A do art. 157 do Código Penal, a discussão acerca da potencialidade lesiva da arma empregada no crime de roubo perde totalmente o sentido, haja vista que o legislador, ao revogar o inciso I do § 2º do art. 157 do Código Penal, substituído pelo novo § 2º-A do mesmo art. 157, inovou sobre a majorante do emprego de arma, acrescentando a elementar “de fogo”.

A nova redação apresentada pelo § 2º-A do art. 157, do CP, acabou por deixar de fora todas as situações em que se utilizam “armas” diversas de “arma de fogo”, na forma da definição legal do Decreto 5.123 citado alhures, criando, assim, modalidade de novatio legis in mellius quanto à incidência da causa de aumento de pena, inclusive em relação aos fatos pretéritos, em homenagem ao princípio da retroatividade da lei mais benéfica, previsto no parágrafo único do artigo do Código Penal, (A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado).

Com efeito, a modificação trazida pelo art. da Lei 13.654/2018, beneficia a todos os infratores que tenham cometido roubo com emprego de arma diversa de arma de fogo, assim definida na forma da lei e, portanto, a eles deverá ser aplicada a lei mais benéfica, retroagindo seus efeitos inclusive para os condenados que se encontram em cumprindo de pena.

Desse modo, as penas serão readequadas à nova legislação em vigor por meio do Juízo de Execuções Penais, pois é dele a competência para aplicar a lei mais benéfica, conforme disposto na Súmula 611 do STF e artigo 66, I da Lei de Execução Penal.

Isso posto, caberá aos operadores do direito, mesmo em sede de execução da pena para os crimes cometidos antes da entrada em vigor da Lei 13.654, de 23 de abril de 2018, publicada no DOU no dia 24 seguinte e com entrada em vigor na mesma data da publicação, reverem a incidência da majorante do agora revogado inciso I do § 2º do art. 157 do Código Penal, por considerar que a nova redação trazida pelo § 2º-A do mesmo artigo 157, inovou o ordenamento jurídico penal, criando uma nova figura típica, específica, mediante a introdução da elementar arma “de fogo”, e, por via de consequência, abolindo aquelas situações em que se admitia o conceito genérico de “arma”, para fins de recrudescimento da pena no crime de roubo, que, não mais poderão ser utilizados, sob pena de ofensa aos mais comezinhos princípios penais.

* FERNANDO CAMPELO MARTELLETO – Defensor Público do Estado de Minas Gerais, com atuação na Defensoria de Segunda Instância e Tribunais Superiores. Especialista em Direito Penal e Processual Penal e mestrando em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG.

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